O cérebro eletrônico-ARTE E TECNOLOGIA_arte comtemporânea com novos mídias
Seria possível simular os estados mentais em um computador? Basicamente, é essa a formulação proposta pelo artista multimídia norte-americano Bill Seaman. Mas esta é apenas a primeira questão rumo ao entendimento de como funciona a consciência humana, anseio que vem provocando pensadores de diversos campos do conhecimento desde a criação da filosofia moderna por René Descartes. O significado de uma palavra acha-se em permanente estado de devir, sendo entendido por um observador como parte de um fluxo contínuo de experiências que entra também em relação com as percepções dos outros e com a história dos fluxos que determinam sua compreensão.
Ao invés de supormos o "observador" como fato consumado, interessa-nos examinar como a construção contínua da linguagem através da criação de padrões multimodais e da ação recíproca entre os outros e o eu constitui uma pré-condição para toda afirmação significativa. Em nossos diálogos, a Dra. Andrea Gaugusch e eu chamamos essa abordagem de Cibernética de Ordem Aberta (5). Essa perspectiva auto-reflexiva sobre a produção de significado procura conscientizar-se das conjeturas culturais e sociais que determinam a compreensão - onde a linguagem se mescla e estrutura a experiência de modo aberto e contínuo. Esperamos realizar um cuidadoso circuito auto-reflexivo em direção a nossas ações significativas já realizadas para melhor ponderarmos sobre uma série de conceitos internos à essa estrutura linguística construída (6). Interessa-nos pesquisar como nossos conceitos sobre "alguma coisa" chegam a existir. Talvez esse seja o aspecto mais importante da tentativa de definir o modelo para um computador eletroquímico. Através de um conjunto de processos abertos e não-estáticos, somos obrigados a examinar cuidadosamente uma série de pressupostos levantados por nós, podendo potencialmente alterar nossa compreensão e, por sua vez, aplicar os novos conhecimentos a uma série de domínios diversos (7). Nesse caso, a deslocação ilumina a colocação. A contínua articulação do modelo começa a sugerir formas pelas quais poderíamos nos re-compreender de maneira aberta.O presente ensaio é um convite à formação de uma equipe de pesquisa interdisciplinar. Aponto também as artes, as novas tecnologias de sensibilidade e a realidade virtual como ferramentas potenciais para possibilitar e ampliar essa abordagem auto-reflexiva de modo contínuo.Devemos estar cientes das implicações de questões específicas relacionadas ao desenvolvimento de uma auto-reflexividade maquínica consciente. A pesquisa sobre o desenvolvimento de uma consciência contextual com base na máquina mostra-se fundamental, assim como o potencial para novas abordagens incorpadas de sistemas de aprendizagem tais como o Cog de Rodney Brook (e equipe de pesquisa relacionada), do grupo humanóide/robótico do MIT (9). Contudo, de modo diverso ao Cog, interessa-nos o desenvolvimento de um substrato eletroquímico (10). Tal projeto estimula uma consciência incorpada das ramificações da sensibilidade humana visando a promover um crescimento humano permanente e uma maior auto-compreensão. Talvez seja importante para um artista envolver-se em uma esfera tão improvável na medida em que a poética da situação sugere o potencial para a produção de novos conhecimentos, apesar da fabricação de tal modelo, no mais alto nível de relevância biológica, encontrar-se fora do alcance das práticas científicas e tecnologias existentes.Um Corpoensamento é uma unidade mente/corpo construída durante toda uma vida de processos de formação/enquadramento recíprocos (11). Um "padrão" percebido consiste na habilidade de um sentido específico (ou conjunto de sentidos) funcionar juntamente ao Corpoensamento para registrar mudanças que se dão no tempo. Esse resíduo de padrão pode também ser operado de dentro do sistema (de modo oposto às perturbações ambientais), estabelecendo uma abordagem mesclada ao contexto, que faz a ponte entre interação histórica (formação/enquadramento recíproco e incorpado; e memória) com o contexto local e formação/enquadramento conceitual/linguístico. Gregory Bateson, em "Ecology of Mind" (12), descreveu o conceito de reforço contínuo de padrão como "redundância". O Ambiente Corpoensamento é um ambiente que se encontra embutido em outro maior. Uma relação incorpada com os outros, o eu e o ambiente revela-se fundamental para a produção contínua de padrões espaço-temporais multimodais. A linguagem enquanto sistema aberto constitui um subconjunto desse fluxo de padrões e, no entanto, mistura-se profundamente a toda experiência enquanto mecanismo contextualizante projetivo. A linguagem e a compreensão estão sempre intricadas em um fluxo de devir. (Seaman e Gaugusch discutiram esse conceito detalhadamente (ver 1).Cada sentido fornece um conjunto diferente de relações físicas ou estimulações de padrões espaço-temporais que são entendidas por via biológica. Edelman, no livro "Neural Darwinism", em 1987, afirmou:Os sinais de entrada são abstraídos e filtrados pelos transdutores sensórios (sensory transducers), extratores de traços característicos (feature extractors) e correlatores de traços característicos (feature correlators) (principalmente sistemas sensiomotores) que formam elementos de um sistema de mapeamento global. Grupos neuronais ativos em repertórios específicos recebendo tais sinais são selecionados competitivamente em detrimento de outros. (13)A capacidade de vários sentidos registrarem mudanças de estado no decorrer do tempo possibilita a formação de um padrão de estimulação incorpado, físico e orientado pelo contexto. Será que sempre que encontramos um conjunto semelhante ou afim de qualidades ambientais, ou instâncias recontextualizadas semelhantes, recorremos à nossa história de incidentes similares baseada na memória (nossos resíduos "redundantes" de mudança de estado) e à auto-reflexão relativa a tais incidentes para criarmos pensamentos atuais? Edelman continua:A seleção bem sucedida consiste em alterar a eficácia sináptica daquelas porções da rede que correspondem a tais grupos, para que haja uma maior probabilidade de respostas a sinais semelhantes ou idênticos em um momento futuro. (14)Edelman propõe o seguinte:A coordenação e o reforço de padrões de seleção de grupos neuronais devem ocorrer entre várias regiões do cérebro mapeadas localmente. Isto é obtido através da sinalização fásica sobre conexões anatômicas reentrantes entre regiões mapeadas (15). (...) Uma hipótese central à teoria é a de que a categorização perceptiva deve ao mesmo tempo preceder e acompanhar a aprendizagem (16). (...) Uma das tarefas fundamentais do sistema nervoso é conduzir categorizações perceptivas adaptativas em um mundo não-rotulado - quando a ordem macroscópica e a organização dos objetos (e mesmo sua definição ou discriminação) não podem ser figuradas antecipadamente para um organismo, apesar de tais objetos e eventos obedecerem às leis da física. Assume-se que uma condição necessária para tal categorização perceptiva seja a reentrada entre sistemas paralelos separados de mapas locais servindo a modalidades diferentes, cada qual sendo capaz de retirar amostras de um domínio de estímulos de modo independente e disjuntivo. Porém, de modo geral, as condições suficientes para a categorização perceptiva são fornecidas somente quando um número de tais mapas se liga para formar mapeamentos globais de ordem maior, involvendo tanto o sistema sensório quanto o motor. (17)Será que realizamos combinações de padrões multi-modais por via biológica e respondemos de forma apropriada com base na recombinação emergente dessa história fragmentária incorpada de experiências e reflexões, compreensões e abstrações registradas? Até onde podemos modelar os processos que estão em operação aqui? Poderia um computador eletroquímico ser articulado de modo a funcionar basicamente de forma semelhante? Chamarei aqui esse computador eletroquímico, sua articulação incorpada e unificada e seu sistema de sensibilidade incorpado e unificado de Ambiente Corpoensamento.Surge a pergunta: estamos falando realmente de um computador? A maioria dos computadores que conhecemos não possui a flexibilidade da unidade mente/corpo humana para funcionar em estado quase caótico de mudanças contextuais relevantes e instantâneas. Babbage e Lovelace, no entanto, procuraram bem cedo fazer "computadores" maquínicos: a Máquina Diferencial e a Máquina Analítica. O "computador" que eles contemplavam e estavam abstratamente moldando era um ser humano: uma pessoa que usa os pensamentos para fazer cálculos. Em 1842, Lovelace conjeturou a noção de que uma máquina calculadora poderia ser também empregada para explorar processos estéticos operativos 18. Como artista, parece-me importante incluir tal foco na construção de nosso modelo - a criatividade é essencial à consciência. É importante notar que os modelos de computador analógico de Babbage e Lovelace ultrapassaram em muito os meios tecnológicos de produção da época.Em minha pesquisa, dois projetos maiores servem de referência ao projeto atual: The World Generator / The Engine of Desire, com o programador Gideon May (um sistema virtual de geração de mundo que explora significados emergentes) e um segundo trabalho em andamento: The Poly-sensing Environment. Nessa pesquisa em andamento com Mark Hansen, Statistical CS em UCLA e Ingrid Verbauwhede, EE em UCLA, temos explorado a criação de uma ferramenta para articular o chamado sistema de percepção maquínico. No humano, sentidos múltiplos operam juntos ou relacionados entre si de maneira freqüente. Assim, dois ou mais padrões de base temporal, obtidos através de relações físicas/ambientais são registrados em relação um ao outro e, potencialmente, reforçam-se mutuamente, transformando-se em fluxos produtores de mudanças de estado. Seria possível modelar um computador eletroquímico que, funcionando em combinação com um ambiente de sensibilidade polivalente, pudesse refletir esse conjunto de processos multimoldais? A unidade do Corpoensamento é essencial. Particularmente, cada sentido registra um campo específico de pertubações. Isso significa que certas relações ambientais estimulam sentidos múltiplos (o abarcamento de campos) e o padrão dessa estimulação reforça o modo como chegamos a reagir e/ou entender aquele conjunto específico de instâncias repetidas ou um conjunto relacionado.Gordon Pask, em seu livro "An Approach to Cybernetics", de 1961, explorou a noção da criação de um computador químico. Afirmou: "Os computadores químicos surgem da possibilidade de fazer crescer uma rede evolucionária ativa por meio de um processo eletroquímico" (19). Como poderíamos produzir uma forma específica de crescimento e/ou construção relacionada à função, para facilitar a produção de nosso modelo?Em 1981, Otto Rössler, em seu ensaio "An Artificial Cognitive Map System" (20) delineou uma abordagem eletrônica fascinante que reunia um scanner digital e um simulador de vôo para produzir um primeiro sistema de mapas cognitivos que indicasse o relacionamento da memória de contexto com o contexto explorado em tempo real. Seu ensaio mais recente, entitulado "Nonlinear Dynamics, Artificial Cognition and Galactic Export" esboça uma abordagem de sistemas de dinâmica não-linear ao problema da cognição artificial (21). O interesse de Rössler pela endofísica tem grandes implicações para uma nova compreensão do relacionamento mente/cérebro/corpo/ambiente. Seu livro "Endophysics - The World as Interface" é fascinante e delineia conceitos que apóiam sua abordagem. Pelo fato de a endofísica ser altamente diferente da exofísica, procuramos desenvolver um conjunto paralelo de ambientes virtuais que são reciprocamente interativos - isso será tema de um ensaio posterior.Scott Kelso também articulou uma abordagem de sistemas dinâmicos em seu livro "Dynamic Patterns -The Self-Organization of Brain and Behaviour". Ele afirma:Apenas sistemas que são bombeados ou energizados a partir de fora (ou, como os sistemas vivos que possuem maquinaria metabólica, do interior e do exterior) são capazes de produzir os tipos de padrões e estruturas que nos interessam. São chamados sistemas abertos, não-equilibrados: abertos por poderem interagir com seu ambiente, trocando energia, matéria ou informação com seu entorno; e não-equilibrados por não conseguirem manter sua estrutura ou função sem tais fontes. (22)Kelso continua:Nos últimos vinte anos, houve enorme progresso na compreensão de como se formam padrões nos sistemas abertos e não-equilibrados, especialmente por meu amigo e colega Hermann Haken. Graças a ele e a outros, mostrou-se que a matéria comum, sob certas condições, exibe propriedades de vida. Haken introduziu o termo sinergética em uma conferência realizada na Universidade de Stuttgart, em 1969. A Sinergética é um campo interdisciplinar que se interessa pela cooperação das partes individuais de um sistema que produz estruturas macroscópicas espaciais, temporais ou funcionais. Lida com processos determinísticos e estocásticos. (23)Voltando momentaneamente ao nosso conceito de sensibilidade maquínica, considero relevante a discussão de Turing sobre "órgãos de entrada" e de "saída", em sua descrição do ACE (Automatic Computing Engine) (24). Uma abordagem assim incorpada é essencial para o nosso modelo. Contudo, Turing também originou um conjunto diferente de conceitos, de relevância para o presente projeto, que transcende a noção de "programação" como a conhecemos. Kelso discute um ensaio interessante de Turing que é desconhecido para muitas pessoas. Afirma:Lembro-me de um cientista renomado que sempre argumentava que o cérebro não era uma máquina Turing. Quando observei em uma de suas palestras que havia uma outra máquina Turing, mostrou-se bastante inflexível: "Não, há apenas um Turing. Você sabe, o Turing da máquina Turing!" Após escrever na lousa algumas equações que descreviam padrões químicos, deteve-se e olhou para mim. "Ah! Vejo o que quer dizer", retrucou. As equações que ele havia escrito no quadro eram exatamente as que Turing usara para descrever "as bases químicas da morfogênese", em um ensaio publicado em 1952.Kelso continua:O termo "dois Turings" refere-se ao gênio que, por um lado, fez contribuições importantes para os computadores programáveis e, por outro, mostrou como padrões podem surgir na natureza sem nenhum programador. Só recentemente os padrões prognosticados por Turing foram observados experimentalmente, e a teoria de Turing ainda ocupa uma posição relevante na Biologia do Desenvolvimento. (25)Kelso sugere que "tal formação espontânea de padrões é exatamente o que queremos dizer com auto-organização: o sistema se organiza, mas não existe um eu, um agente dentro do sistema conduzindo a organização." (26)Como poderia o nosso computador eletroquímico ser construído e crescer de tal modo que viesse a refletir a profunda complexidade da estruturação biológica humana? Será que devemos explorar também uma éspecie de genética sintética?Kelso desenvolve um argumento forte que poderia ser aplicado à produção de nosso modelo para um computador eletroquímico em termos de espaço de fase. Ele postula:Um sistema dinâmico vive em um espaço de fase que inclui todos os estados possíveis desse sistema e a maneira como eles evoluem no tempo. Um sistema dinâmico dissipativo se configura como um sistema cujo volume de espaço de fase diminui (dissipa-se) com o tempo. Isto significa que alguns lugares (subconjuntos no espaço de fase) são preferíveis a outros. Eles são chamados de atratores: não importa qual seja o valor inicial de x, o sistema convergirá para o atrator a medida que o tempo fluir ao infinito. Por exemplo, se alguém estica uma mola ou desloca um pêndulo amortecido, eles irão eventualmente perder o momentum e parar na posição de equilíbrio. O atrator é em ambos os casos o ponto fixo, ou atrator de ponto simples. (27)Kelso prossegue:Resumindo, as abordagens tradicionais à compreensão de processos cognitivos e perceptivos enfatizam estruturas representacionais estáticas que minimizam as dependências temporais e ignoram a natureza potencialmente dinâmica de tais representações. As experiências atuais, que variam da percepção visual à da fala, constituem um testamento surpreendente dos conceitos básicos da dinâmica auto-organizada, tais como parâmetros de controle, transições, atratores, multi-estabilidade, instabilidade e histerese. O objetivo é revelar mecanismos genéricos aplicados através de deixas particulares, modalidades e categorias e, assim, unificar um amplo conjunto de dados e fornecer uma base coerente para a previsão de efeitos contextuais. (28)Desse modo, a particularidade do nosso modelo crescerá potencialmente à medida que o potencial mapeador da tecnologia crescer. Uma questão difícil relaciona-se à noção de especificidade ou de resolução do sistema: a consciência emerge apenas em decorrência da mistura de todos os aspectos da complexidade biológica operacional? Um nível qualquer de reducionismo funcional nos impediria de atingir nosso objetivo de emergência de uma consciência maquínica ou, em outras palavras, de auto-reflexividade profunda e consciência de contexto?Kelso continua:Finalmente, gostaria de deixar o leitor com o que espero seja uma imagem útil, criada pelo amálgama desses modelos dinâmicos. Trata-se, como era de se esperar, da imagem de uma paisagem atratora em evolução, modelada por uma rede complicada de tecidos nervosos interconectados. A tensão na rede e a localização das suas fibras individuais são sujeitas a padrões de ativação e inibição que se deslocam e esculpem o layout do atrator que, como veremos, representa padrões meta-estáveis, em larga escala, de atividade neuronal no cérebro. (29)Portanto, podemos fazer um computador eletroquímico que emula tais conceitos? Junto à granularidade específica da equação, há outros problemas que precisam ser abordados. Em termos de eventos em micro-escala, Kelso fornece o seguinte no que se refere às sinapses e neurônios elementares:Um crescente número de evidências sugere que os neurônios podem comunicar-se sem estabelecer um contato íntimo nas sinapses. Ao invés de informações que fluindo por vias estruturadas, tais como a eletricidade por fios em um circuito, tal comunicação, chamada de transmissão em volume, assemelha-se mais a uma transmissão de rádio. (30)Como podemos começar a projetar uma abordagem que inclua a natureza dessa forma específica de funcionalidade biológica? Kelso afirma:(...) O cérebro é fundamentalmente um sistema auto-organizado, formador de padrões, governado por leis dinâmicas não-lineares passíveis de serem descobertas. Mais especificamente, comportamentos como percepção, compreensão, ação, aprendizagem e memória surgem como padrões espaço-temporais e meta-estáveis de atividade cerebral que são, por sua vez, produzidos por interações cooperativas entre agrupamentos neuronais. A auto-organização constitui o princípio chave. (31)Ele continua:Acredito que apenas certos tipos de sonda experimental nos trarão insight sobre os processos auto-organizadores no cérebro e como eles se relacionam ao comportamento. Lembramos aqui do desafio de Otto Rössler aos neurocientistas, de que em um sistema complexo como o cérebro (com mais variáveis do que a idade do universo em segundos), é quase um milagre achar dinâmicas de baixa dimensão. É este, porém, o milagre que estamos procurando. Em minha opinião, é a ação cooperativa dos neurônios, funcionando juntos para criar padrões dinâmicos no cérebro, que permite a ocorrência desse milagre. (32)Kelso articula sua posição a seguir:Padrões Espaço-Temporais do Cérebro - O cérebro é uma estrutura de extensão espacial e altamente conectada. Medidas da dimensão de correlação de dados obtidos em uma ou algumas posições (não obstante teoremas matemáticos) são, portanto, limitadas. É necessário encontrar meios de tratar sinais que emanam de locais diferentes do cérebro e sua complexa evolução temporal. Para obtermos uma compreensão assim detalhada do cérebro, especialmente de sua auto-organização funcional precisamos, como já argumentei, de três coisas:-um conjunto de conceitos teóricos apropriados para motivar a abordagem da atividade cerebral; -uma tecnologia que proporcione a análise de dinâmicas de formação de padrões no cérebro, no espaço e no tempo; -e algumas experiências limpas que suprimam as complicações e retenham a essência. (33)Portanto, se queremos mapear no mais alto nível as operações que caracterizam o trabalho do Corpoensamento humano, o potencial é começar a formular um modelo para, então, fabricar um Ambiente Corpoensamento relevante. Uma das questões mais difíceis, novamente, trata de abordagens redutivas na construção do modelo em oposição a tentativas de trabalhar para a construção de um modelo com um conjunto de processos operativos paralelo ao dos humanos. De modo diverso a grande parte das experiências científicas do passado, que procuravam isolar atividades neuronais particulares, devemos considerar novas abordagens à dedução de mapas de fluxo multimodal e desenvolver tecnologias relacionadas de mapeamento.Thelen e Smith ampliam e elaboram pragmaticamente um conjunto de idéias diretamente relacionadas ao pensamento de Kelso. Eles definem em seu livro "A Dynamic Systems Approach to the Development of Cognition and Action" um conjunto de observações pertinentes, baseadas parcialmente no pensamento de Edelman:O pensamento é incorpado, ou seja, as estruturas usadas para montar nosso sistema conceitual surgem da experência corporal e fazem sentido a partir dela; além disso, o cerne do nosso sistema conceitual acha-se enraizado diretamente na percepção, no movimento corporal e em experiências de natureza física e social.O pensamento é imaginativo, na medida em que os conceitos que não estão diretamente enraizados na experiência empregam metáfora, metonímia e imagens mentais, as quais ultrapassam (...) a representação da realidade externa.O pensamento apresenta uma estrutura ecológica. A eficiência do processamento cognitivo, como na aprendizagem e na memória, depende da estrutura geral do sistema conceitual e do que os conceitos significam. O pensamento é, portanto, mais do que apenas a manipulação mecânica de símbolos abstratos. (...)A razão humana não é apenas uma instanciação da razão transcendental; cresce a partir da natureza do organismo e de tudo o que contribui para sua experiência individual e coletiva: sua herança genética, a natureza do ambiente em que vive, a maneira como funciona nesse ambiente, a natureza de seu funcionamento social, etc. Thelen e Smith, ao discutir os conceitos de Edelman, lembram que "Edelman faz cinco reivindicações centrais sobre a origem das categorias":(a) o sistema é degenerado - há processos múltiplos disjuntivos que operam sobre a mesma entrada em tempo real;(b) as categorias se desenvolvem a partir do mapeamento reentrante dessas amostras disjuntivas do espaço perceptual;(c) o fazer se dá por meio das correlações em tempo real que existem por entre as amostras independentes;(d) os mapas reentrantes dependem da atividade - o que percebemos depende do que fazemos segundo uma função "time-locked"; e(e) há sempre variabilidade no sistema. A variabilidade é anatômica, resultando da alta conectividade no sistema, e dinâmica. A variabilidade dinâmica decorre da atividade contínua intrínseca no sistema nervoso central e da natureza contínua e cambiante da entrada, que assegura que o sistema nunca esteja no mesmo estado duas vezes. 35Como definir um modelo que réune em si essas observações? A noção de observar o Corpoensamento em relação aos padrões dinâmicos parece ser um método frutífero que poderia potencialmente ser abstraído para servir de base à produção de nosso modelo. A lista de observações acima serve de referência para a formação de um conjunto de problemas prementes a serem resolvidos.Thelen e Smith fornecem uma visão fascinante da memória:Cada memória é construída dinamicamente a partir de muitas, porém não de todas as conexões previamente facilitadas e, na condição de atrator dinâmico pode também "puxar para dentro" associações não incluídas previamente naquela categoria dinâmica. Devido ao fato de as categorias perceptuais serem elas também probabilísticas e determinadas pelo contexto, o mesmo se dá com as memórias que são baseadas nessas categorias por sua vez fluidas e inexatas. A memória não funciona como uma máquina digital manipuladora de símbolos, mas sim como um sistema dinâmico. (36)Eles afirmam:Usaremos Edelman para apoiar nossos argumentos de que:(1) durante o desenvolvimento, o comportamento é selecionado a partir de um universo mais amplo de possibilidades ao invés de ser imposto;(2) mapeamentos dinâmicos de percepção-ação são primários no início da vida;(3) a exploração multimodal constitui um processo chave para a aquisição de novas formas; e(4) a criação e a exploração da variabilidade são elementos chave no processo. Continuam:Segundo Edelman, as categorias emergem da interação dinâmica de grupos de neurônios; os mapeamentos - as categorias - auto-organizam-se através de suas interações recíprocas. (38)Thelen e Smith postulam:A noção chave aqui é de que as funções globais de categorização - memória, aprendizagem e desempenho - surgem dinamicamente a partir dos mapeamentos reentrantes da atividade motora, juntamente com informações sensoriais de diversas modalidades. Mais especificamente, na fase inicial do desenvolvimento, os sinais sensoriais e de movimento se juntam completamente, agindo conjuntamente para formar os mapas globais que servem de base para o desenvolvimeto posterior - uma noção que surge não apenas na neurofisiologia do desenvolvimento visual, mas também nos estudos comportamentais de crianças. Antes de aplicarmos essas idéias aos aspectos específicos da fase inicial do desenvolvimento - andar, alcançar, conhecer objetos e adquirir linguagem - consideramos o status teórico das categarias e a ligação - via teoria de Edelman - entre a dinâmica global e a dinâmica neural no desenvolvimento. (39)Podemos motivar nosso corpo de maneiras específicas em resposta a padrões sensuais específicos. Esse movimento é também registrado como um padrão relacionado ao corpo/ambiental no decorrer do tempo. Contudo, devemos ter clareza de que tais padrões emergem e são compreendidos apenas como resultado de uma estrutura linguística (que, por sua vez, nasce de padrões) que se mistura também à formação desses fluxos de padrão (campos), determinando tanto sua percepção quanto sua articulação. O campo linguístico é sempre projetado sobre o ambiente no pensamento. Há sensações puras, não-nomeadas. Contudo, essencial a qualquer devir é a estrutura lingüística categórica. Pertubações historicamente não-contextualizadas (sensações puras) são entendidas constantemente em termos das categorias de reflexão que foram formadas reciprocamente . Essa acumulação é contínua, de forma que a compreensão sensual e a estrutura linguística encontram-se ambas em estado perpétuo de expansão recíproca conforme sua relação com o conhecimento ambiental. Isso não quer dizer que a linguagem não tenha seus limites em termos de articulação da experiência. Ultrapassar esses limites torna-se um dos problemas prementes que sugerem a necessidade de desenvolvermos nosso modelo para um computador eletroquímico. Desenvolvemos um tal modelo para melhor mostrar como realmente funcionamos. A tentativa de criar um tal modelo serve de base e amplia nossa compreensão da prática linguística.Esse registro e análise de estimulações sensuais múltiplas no decorrer do tempo forma padrões espaço-temporais de experiência. Certas compreensões emergem relacionadas a qualidades específicas e repetidas de comportamento e/ou relações ambientais (segundo estruturação/enquadramento lingüístico e relações mútuas de formação). Nossa aprendizagem via percepção de padrões (mistura de campos) e combinação de padrões (comparação de campos) começa no relacionamento com nosso entorno ambiental inicial, assim como nas relações sociais e culturais que nos são passadas pelos outros. Construímos nossa percepção intelectual do mundo através dessas camadas de estimulações orientadas pelo sentido, de uma maneira intra-ativa com os outros e com nosso ambiente - esse processo (acumulação) faz a ponte e amplia experiências incorpadas em termos de nossa forma de pensar linguísticamente estruturada, além de achar-se em expansão e transformação contínua e recíproca. Não podemos, tampouco, subestimar outros processos relevantes - abstração, dedução, abdução e inferência - processos conceituais que também participam do desenvolvimento intelectual. Isso sugere a necessidade de literalmente "educar" nosso computador eletroquímico como uma criança, com uma atitude de benevolência.Assim, nossas experiências incorpadas desses padrões sensuais via "ação recíproca" e/ou "formação mútua" elaboram uma estrutura lingüística para interpretar e agir no mundo 41. Esse processo serve de base para toda aprendizagem e compreensão, misturando a esfera biológica à social e cultural. A linguagem representa um conjunto específico de padrões que passa a fazer parte de nossa aprendizagem de padrões perceptivos e memória de percepção de padrões multi-modais (intra-campo). A linguagem possibilita a habilidade de reproduzir e/ou abstrair as qualidades que constituem tais padrões. A compreensão desses padrões acontece via corpo/mente (o Corpoensamento humano) e, sendo assim, estamos em unidade com nosso ambiente - uma unidade sujeito/objeto.42 Esse "entendimento de mundo" existe apenas via nossa formação linguística. Ele assume significados diferentes à medida que essa formação linguística cresce e se transforma - e, desse modo, o mundo se acha em constante estado de devir. A linguagem passa a ser um padrão de importância fundamental, na medida em que nos permite refletir e nos comunicar sobre todos os fluxos de padrões (um subconjunto específico de produção e recepção de padrões). Portanto, o uso da linguagem em grande medida surge da compreensão da aquisição de padrões no passado (estimulações sensuais registradas e enquadradas). Nós também aprendemos a gerar padrões, reproduzir padrões, abstrair e recombinar perturbações orientadas pelos sentidos para estimular outros padrões, ou nos comunicar posteriormente entre nós e com o mundo. Isso serve de base para a nossa habilidade de articular significados via muitas e diferentes formas e qualidades de troca ambiental, de estímulos e do que Gaugusch e Seaman, em "Open Order Cybernetics", chamaram de "formação recíproca". Em alguns casos, os padrões são gerados via corpo - a escrita a mão e a fala. De outra forma, usamos tecnologias divergentes e seus potenciais de geração de padrões. Vejo o potencial do computador de ampliar nossas idéias em torno da formação linguística, da compreensão e da transmissão como central à formação do modelo. Assim, essa forma aberta, contínua de linguajar o mundo amplia as noções em torno de acoplamento ontogênico. A Cibernética de Ordem Aberta procura estar aberta em sua contínua auto-compreensão linguística por intermédio de um re(sentir) do observador, e aberta também no que concerne a sua relação com a troca de energia, matéria e/ou informação com os seus entornos (ver Kelso acima). Em particular, o desenvolvimento desse modelo para uma tecnologia incorpada visa ampliar ativamente o auto-entendimento através de processos comunicativos interdisciplinares e de profunda auto-reflexão.1. Paráfrase de um ensaio a ser publicado: "(Re)Sensing the Observer - Offering an Open Order Cybernetics", de Andrea Gaugush e Bill Seaman.2. Ibid3. Joseph Kosuth em seu texto "Art After Philosophy" afirmou: "A função da arte foi primeiro levantada por Marcel Duchamp. (...) Com o ready-made autônomo, a arte mudou seu foco da forma da linguagem para o que estava sendo dito. Isso significa que mudou a natureza da arte de uma questão de morfologia para uma questão de função. Essa mudança, da aparência para a concepção, foi o começo da arte moderna e o começo da arte conceitual". Kosuth, Joseph, "Art after Philosophy" (1969) conforme Osborne, Peter, "Conceptual Art", Phaidon Press, 2002, NYC, pág. 233. Seaman, nesse ensaio, sugere a criação de uma "arte como uma forma de explorar o potencial de produção de uma consciência maquínica".
4. http://weber.ucsd.edu/~gbowker/classification/5. Do ensaio a ser publicado, "(Re)Sensing the Observer - Offering an Open Order Cybernetics", Andrea Gaugush e Bill Seaman6. ibid (1)7. ibid (1)8. ibid (1)9. ver http://www.ai.mit.edu/projects/humanoi-robotics-group/10. Ver também o conceito de Roy Ascott de Mídias Húmidas "Vivemos no limite, em complexas realidades mistas, entre ciberespaço e espaço material, entre partículas e pixels. Argumentaria que todo um novo substrato de nossa experiência vivida está sendo formado a partir da convergência impulsionada pela tecnologia de bits, átomos, neurônios, genes e o Big B.A.N.G. Do ponto de vista do artista isso está criando um novo universo de mídias. O primeiro estágio dessa convergência pode ser facilmente visto enquanto os dados digitalmente secos do computador se misturam à biologia molhada dos sistemas vivos, produzindo uma espécie de "mídia húmida". O advento da nanotecnologia, aproximando-se muito mais agora da vanguarda das nossas práticas materiais, traz uma nova dimensão à nossa ânsia construtiva de erguer novos mundos." http://www.btgiapan.org/links/001.htm111. ibid (1)12. Bateson Gregory, Steps to an Ecology of Mind, 1972, Chandler Publishing Company, San Francisco (p. 419-421)13. Edelman, G.M., Neural Darwinism, 1987, Basic Books Inc. Publishers, New York, (pg. 6)14. ibid, (pg. 6)15. ibid, (pg. 7)16. ibid, (pg. 7)17. ibid, (pg. 8)18. BABBAGE, C. 1961. "Charles Babbage and his Calculating Engines: Selected Writtings by Charles Babbage and others". New York: Dover Publications, Inc. (Lovelace conforme encontrado em) Babbage, 1961, p.249).19. Pask, Gordon, An Approach to Cybernetics Uma Abordagem da Cibernética com prefácio de Warren S. McCullock, (Massachusetts Institute of Technology) HARPER & BROTHERS, New York, 1961, (pg. 105) Ver também citado por Pask Technical Reports of Contract NONR 196c8cb1500751fe4fb8b05242785a9b06614edd1a24395c0a67a1a207efa709c0994684b5d01a5fb051917c3eafad (21), Elec. Eng. Research Labs., Univ. De Illinois. Também 18 e 32. Pask afirma também que D.M. MacKay desde cedo explorou elementos conectivos análogos em uma máquina de computação.20. Rössler, Otto, An Artificial Cognitive Map System um Sistema de Mapas Cognitivos Artificial, Bio Systems, 13 (1981) 203-209, Elsevier/North-Holland Scientific Publishers Ltd.21. Rössler, Otto, Nonlinear Dynamics, Artificial Cognition and Galactic Export Dinâmica Não-linear, Cognição Artificial e Exportação Galáctica , um ensaio de Rossler enviado a Seaman, Divisão de Química Teórica, DFH Universidade de Tubingen, Auf der Morgenstelle 8, 72076, Tübingen. F.R.G. Rössler, Otto, Endophysics - The World as Interface Endofísica - O Mundo como Interface, World Scientific, 1998 (datado Fev. 1999, 14 de Julho de 2003), enviado ao autor22. Kelso, J. A. Scott, Dynamic Patterns, The Self-Organization of Brain and Behavior (Padrões Dinâmicos, A Auto-Organização do Cérebro e do Comportamento) A Bradford Book, MIT Press, p.3623. Ibid (22) Kelso cita Haken como uma grande influência - reproduzo aqui sua referência a Haken de Padrões Dinâmicos: "Há agora mais de sessenta volumes na Springer Series in Synergetics, editada por Haken. Para um tratamento técnico excelente ver Haken H. (1983), Synergetics: An Introduction (Sinergética: Uma Introdução), 3a ed.; e (1984), Advanced Sinergetics (Sinergética Avançada), 2a ed. Berlim: Springer-Verlag. Uma introdução bastante legível e acessível é Haken, H. (1984). "The Science of Structure: Synergetics". New York: Van Nostrand Reinhold."24. TURING, A.M. 1986. Relatório ACE de 1946 de A.M. Turing e Outros Papéis. Volume 10. In: B.E. CARPENTER e R.W. DORAN, eds. The Charles Babbage Institute Reprint Series for the History of Computing (Série de Reimpressões do Instituto Charles Babbage para a História da Computação). Cambridge/Londres: MIT Press, p.36
25. Kelso, J. A. Scott, Dynamic Patterns, The Self-Organization of Brain and Behavior (Padrões Dinâmicos, a Auto-Organização do Cérebro e do Comportamento) A Bradford Book, MIT Press, 1988, p.426. ibid (pg. 8)27. ibid (pg. 53)28. ibid (pg. 212)29. ibid (pg. 218)30. ibid (pg.229)31. ibid (pg. 257)32. ibid (pg. 259)33. ibid (pg. 270). Esther Thelen e Linda B. Smith, A Dynamic System Approach to the Development of Cognition and Action, A Bradford Book, MIT Press, Massachussets, 1944 (pg. 165)35. ibid (pg. 167)36. ibid (pg. 203)38. ibid (pg. 143)39. ibid (pg. 160)41. ibid (1)42. ibid (1)43. ibid (1)
Autor (a) : Bill Seaman