Fernando José Pereira
A interactividade aparece como uma das naturais e mais problemáticas questões a levantar a propósito do objecto artístico quando integrado no ambiente daquilo que comummente se optou por designar "novas tecnologias".
Antes de mais, e porque nada surge extemporaneamente, devemos referir alguns dos antecedentes importantes para o aparecimento desta nova categoria. Sejam eles de carácter tecnológico, social ou psicológico. Em conjunto criaram as condições para o surgimento da interactividade como factor de charneira entre um passado recente e o presente.
A implementação de uma sociedade mediatizada nos últimos trinta anos foi sendo potenciada pelos sucessivos avanços tecnológicos introduzidos nas máquinas de comunicar. Ao carácter quase primitivo do telefone foram acrescentadas características de incrementação da comunicação, primeiro com a vulgarização do rádio, e depois da televisão. Se os primeiros dois artefactos referidos não são enquadráveis na estratégia de alargamento produzida pela sociedade mediatizada, a televisão afirma-se como um dos pilares mais importantes, senão o mais imponente objecto de comunicação alguma vez tentado até aos nossos dias.
Depois de um início próximo de realidades ligadas ao processo da narrativa (como veremos adiante torna-se determinante realçar a diferença entre narrativa e interactividade) em que o tempo é sempre apresentado no passado, ou seja, um referente que já foi realizado e agora tematizado, a televisão evolui para uma realidade que se apresenta como "impression of reality", um tempo que se quer instantâneo. Uma incursão em directo no tempo que é apresentado.
Produz-se um corte epistemológico com uma tradição de base em narrativas orais e com evolução determinante ao longo do século XX, nomeadamente, com o cinema. A ficção do presente apresentada pela televisão através da sua lógica "live" opõe-se determinantemente a uma lógica apresentada pelos media tradicionais. A uma representação das histórias do mundo, a televisão opõe uma apresentação dessas mesmas histórias. A uma representação de outros locais, a televisão apresenta uma visão partilhada dos locais. A televisão altera radicalmente a relação de causa e efeito, bem como a noção de acção que tínhamos relativamente aos media que ficcionam a realidade como passado[1].
Ao instituir a apresentação do aqui e agora —ilusão de instantaneidade temporal— como modo de fazer, está a colocar a ênfase numa relação que se pretende individualizada, subjectivada. A passagem das narrativas é agora compartilhada por dois territórios distintos: de forma tangível, oral ou impressa, tradicional e historicamente enraizada no modo civilizacional que nos rodeia, ou então de forma virtual através dos dispositivos electrónicos mediatizados pelos monitores.
Esta nova lógica construtiva da realidade permite a assunção das máquinas como constituintes de "eu(s)" e "tu(s)", para metaforizar o contacto humano face a face. Segundo a perspectiva linguística de Benveniste[2], passa-se para uma relação aparentemente personalizada e baseada na comunicação directa estabelecida entre duas pessoas, isto é, a existência de um "eu" e de "tu/vocês" como componentes essenciais para o estabelecimento da comunicação. Emissor e receptor "enfrentam-se", olhos nos olhos na presença de uma apresentação televisiva. Todas as outras cambiantes (ele/ela/esse/eles…) se tornam absolutamente indistintas, sem importância comunicacional, uma espécie de não pessoas[3] que não interferem na comunicação agora privilegiada. O "eu" pode neste novo processo comunicacional ser protagonizado e preenchido por qualquer "voz", incluindo a máquina.
Mas de que comunicação falamos, então. Não de uma conversa face a face em que o "eu e o "tu" são tangíveis e podem e devem utilizar as várias cambiantes de protagonismo ao longo da comunicação estabelecida. Aqui, a comunicação é mediada por um monitor e a legitimação do emissor, por clara associação a estruturas de poder[4], é formada de forma quase inconsciente pelo receptor. Frente a uma tangibilidade posiciona-se agora uma imaterialidade virtual e de controle. Segundo os psicólogos Berger e Luckman trata-se daquilo que designam por "paramount reality", a sensação de uma presença num aqui e agora que se "impõe sobre a consciência de uma forma intensa, maciça e urgente". Existe uma aproximação ao conceito de imaginário que tem duas vertentes teorizadoras. Em primeiro lugar o imaginário de Cartoriadis, que este define como imaginário social instituído:
“Imaginario que asegura la continuidad de la sociedad, la reproducción y la repetición de las mismas formas, que en lo sucesivo regulan la vida de los hombres y que permanecen hasta que un cambio histórico lento o una nueva creación masiva viene a modificarlas o a reemplazarlas radicalmente por otras.” (Castoriadis, 1996)
Mas também, de um outro ponto de vista, o imaginário de Lacan, no sentido da “desrealização”, que é efectuada no eu ao depositar a sua confiança e até identificação no outro[5]. Esta relação com um interlocutor virtual vai trazer alterações consideráveis na sociedade mediatizada e da informação que vivemos.
"The claim is not that television and a computer-supported cyber culture are less authentic than "real" discursive exchange between human beings. It is rather that socially constructed reality is already fictional and that virtuality is an aspect of that fictionality that has come to be more and more supported and maintained by machines, especially television and the computer". (Morse, 1998)
Existe uma diferença fundamental entre a televisão e os novos media tecnológicos perante os, chamemos-lhe assim, media tradicionais. O primeiro é directamente responsável pela manutenção de um discurso de presença - live - que ocasiona um problema grave de emissão/recepção em loop constante, alterando a relação temporal existente relativamente à reificação acelerada da noção de referente. Acrescentamos um outro nível à relação entretanto apresentada. A dualidade desequilibrada entre o "eu" maquínico e proeminente e o "tu" afasta-se, decisivamente, da realidade construída entre dois sujeitos de conversação. Aqui o componente "tu" existe como genérico e impessoal. Pode ser endereçado a qualquer segmento social ou de mercado, não é fundamentalmente a possibilidade individual que se encontra em campo, antes, uma noção de colectivo que encontra alguns paralelos históricos ao longo do nosso século.
Sobre esta noção de emissão, encontra lugar o instalar confuso de uma miscigenação entre acontecimento e notícia. O acontecimento encontra a sua desvalorização significacional no momento em que é, apenas, valorizado como produto "em directo", cedendo logo o lugar a outro e a outro. Apesar da vastidão de campo torna-se necessário um desencadeamento de acontecimentos organizado temporalmente. A acção, no sentido semântico do que se passou no acontecimento, deixa de existir sendo substituída pela acção de carácter cinematográfico, ou seja, o presente absoluto, o desenrolar contínuo do tempo real.[6] Esta necessidade absoluta de presente ou, se quisermos, de "tempo real" é consequência imediata do aprofundamento tecnológico da sociedade mediática. A relação estabelecida com os acontecimentos através da mediação televisiva altera, desta forma, o conceito de verdade atribuída ao longo do século à imagem surgida através do negativo.
A imagem mediatizada transmitida, hoje, pelos media, em tempo real, é apenas constituída por combinações de algoritmos matemáticos totalmente manipuláveis. Será, talvez, a alteração mais radical operada na imagem e sobretudo na sua recepção. O "tu" a que são dirigidas as imagens televisivas reage passivamente: a consciência da possibilidade manipulatória existe em cada um, mas de forma impotente. A acumulação imagética produz significações metafóricas das relações de poder, "o que aparece é bom, o que é bom aparece", (Agamben, 1990) que potenciam uma clara alienação linguística por parte dos receptores.
Toda a estratégia de tempo real produzida pela televisão e incentivada pela possibilidade interactiva - o telecomando afirma-se como uma das principais formas de interacção aproximativa entre o "eu" e o "tu" - configura o papel desenvolvido pela televisão como um estádio, talvez o decisivo, na aproximação e apropriação a uma realidade em que as relações interpessoais e sobretudo com as máquinas se farão de forma intensa. A virtualidade de uma partilha dos acontecimentos em tempo real apresentada pelos media, antecipa a chegada rápida da imersão interactiva que se está agora a desenvolver em termos de sociedade de informação, sobretudo mercantil.[7]
1] Relativamente a esta questão citamos o seguinte: "as a result, we are increasingly immersed inside a world of images - acoustic, iconic, and kinesthetic - capable of interacting with us and even directing our lives in the here-and-now, or rather, since the advent of instant decompression and processing via computer, in virtual space and "real time". Images have been transformed from static representations of the world into spaces in wich events happen that involve and engage people to various degrees in physical space." (Morse, 1998)
[2] "Discourse is every utterance assuming a speaker and a hearer, and in the speaker, the intention of influencing the other in some way. It comprises all the genres in wich someone proclaims himself as the speaker and organizes what he says in the category of person." (Benveniste, 1971)
[3] Por associação directa com o conceito de não lugar teorizado por Smithson e Augé, em que a principal característica identitária é paradoxalmente a sua falta de identidade.
[4] Uma das características fundamentais do capitalismo avançado tem sido o relegar para o total anonimato a massa de receptores que interage apaticamente com o media em causa - a televisão. A activa participação é transfigurada em passividade absoluta, joguetes de um jogo a que não pertencem. Sobre a noção de "ser qualquer" desenvolvida por Giorgio Agamben parece-nos importante revelar os seus principais traços constitutivos, uma vez que uma pura interpretação semântica poderia conduzir a equívocos desnecessários. O ser qualquer é portador de uma potência escondida. Sobre este conceito escreve o tradutor português:"Giorgio Agamben propõe neste texto que se articule o lugar, os modos e o sentido da experiência do presente numa forma de comunidade que subsuma uma ética e uma política à altura do nosso tempo: a comunidade que vem…formada por singularidades quaisquer, o ser que lhe corresponde é o ser qualquer. Em vez de procurarem uma identidade própria na forma da individualidade, os homens devem fazer do modo como são - o ser assim - uma singularidade sem identidade e perfeitamente comum…Como Bartleby de Melville, que não escreve outra coisa que não seja o seu poder de não escrever e, assim tem a experiência da linguagem enquanto tal, o ser qualquer é também aquele que pode a sua própria impotência".
[5] O imaginário em Lacan constitui a primeira fase de desenvolvimento - "o stage mirror"- uma espécie de registo pré-verbal cuja lógica é essencialmente visual e que se afirma como um primeiro momento de alienação. A consciência da existência do eu e do outro, ou se quisermos de ela própria como outro, dá-se numa criança quando reconhece pela primeira vez o seu reflexo num espelho. Que, contudo, é um reconhecimento falhado, já que a coerência com o sujeito falha. Este auto-reconhecimento através de uma imagem externa define-se então como uma forma de auto-alienação. As restantes duas fases do esquema de Lacan são o simbólico e o real.
[6] Trata-se daquilo que Jean Baudirllard designa por "greve dos acontecimentos": "É como se os acontecimentos transmitissem uns aos outros a palavra de ordem de greve. Pouco a pouco, todos desertam o seu tempo, transformando-o numa actualidade vazia, onde só tem lugar o psicodrama visual da informação…O facto de já não ser o acontecimento a produzir a informação, mas sim o contrário, tem consequências incalculáveis." (Baudrillard, 1995)
[7] Debord na análise que produziu em 1967 no seu livro sobre a sociedade do espectáculo tinha toda a razão quando afirmava: "o espectáculo é o capital num tal grau de acumulação que se torna imagem"
*Primeiro de uma série de textos sobre as questões teóricas em torno das práticas artísticas numéricas.
Antes de mais, e porque nada surge extemporaneamente, devemos referir alguns dos antecedentes importantes para o aparecimento desta nova categoria. Sejam eles de carácter tecnológico, social ou psicológico. Em conjunto criaram as condições para o surgimento da interactividade como factor de charneira entre um passado recente e o presente.
A implementação de uma sociedade mediatizada nos últimos trinta anos foi sendo potenciada pelos sucessivos avanços tecnológicos introduzidos nas máquinas de comunicar. Ao carácter quase primitivo do telefone foram acrescentadas características de incrementação da comunicação, primeiro com a vulgarização do rádio, e depois da televisão. Se os primeiros dois artefactos referidos não são enquadráveis na estratégia de alargamento produzida pela sociedade mediatizada, a televisão afirma-se como um dos pilares mais importantes, senão o mais imponente objecto de comunicação alguma vez tentado até aos nossos dias.
Depois de um início próximo de realidades ligadas ao processo da narrativa (como veremos adiante torna-se determinante realçar a diferença entre narrativa e interactividade) em que o tempo é sempre apresentado no passado, ou seja, um referente que já foi realizado e agora tematizado, a televisão evolui para uma realidade que se apresenta como "impression of reality", um tempo que se quer instantâneo. Uma incursão em directo no tempo que é apresentado.
Produz-se um corte epistemológico com uma tradição de base em narrativas orais e com evolução determinante ao longo do século XX, nomeadamente, com o cinema. A ficção do presente apresentada pela televisão através da sua lógica "live" opõe-se determinantemente a uma lógica apresentada pelos media tradicionais. A uma representação das histórias do mundo, a televisão opõe uma apresentação dessas mesmas histórias. A uma representação de outros locais, a televisão apresenta uma visão partilhada dos locais. A televisão altera radicalmente a relação de causa e efeito, bem como a noção de acção que tínhamos relativamente aos media que ficcionam a realidade como passado[1].
Ao instituir a apresentação do aqui e agora —ilusão de instantaneidade temporal— como modo de fazer, está a colocar a ênfase numa relação que se pretende individualizada, subjectivada. A passagem das narrativas é agora compartilhada por dois territórios distintos: de forma tangível, oral ou impressa, tradicional e historicamente enraizada no modo civilizacional que nos rodeia, ou então de forma virtual através dos dispositivos electrónicos mediatizados pelos monitores.
Esta nova lógica construtiva da realidade permite a assunção das máquinas como constituintes de "eu(s)" e "tu(s)", para metaforizar o contacto humano face a face. Segundo a perspectiva linguística de Benveniste[2], passa-se para uma relação aparentemente personalizada e baseada na comunicação directa estabelecida entre duas pessoas, isto é, a existência de um "eu" e de "tu/vocês" como componentes essenciais para o estabelecimento da comunicação. Emissor e receptor "enfrentam-se", olhos nos olhos na presença de uma apresentação televisiva. Todas as outras cambiantes (ele/ela/esse/eles…) se tornam absolutamente indistintas, sem importância comunicacional, uma espécie de não pessoas[3] que não interferem na comunicação agora privilegiada. O "eu" pode neste novo processo comunicacional ser protagonizado e preenchido por qualquer "voz", incluindo a máquina.
Mas de que comunicação falamos, então. Não de uma conversa face a face em que o "eu e o "tu" são tangíveis e podem e devem utilizar as várias cambiantes de protagonismo ao longo da comunicação estabelecida. Aqui, a comunicação é mediada por um monitor e a legitimação do emissor, por clara associação a estruturas de poder[4], é formada de forma quase inconsciente pelo receptor. Frente a uma tangibilidade posiciona-se agora uma imaterialidade virtual e de controle. Segundo os psicólogos Berger e Luckman trata-se daquilo que designam por "paramount reality", a sensação de uma presença num aqui e agora que se "impõe sobre a consciência de uma forma intensa, maciça e urgente". Existe uma aproximação ao conceito de imaginário que tem duas vertentes teorizadoras. Em primeiro lugar o imaginário de Cartoriadis, que este define como imaginário social instituído:
“Imaginario que asegura la continuidad de la sociedad, la reproducción y la repetición de las mismas formas, que en lo sucesivo regulan la vida de los hombres y que permanecen hasta que un cambio histórico lento o una nueva creación masiva viene a modificarlas o a reemplazarlas radicalmente por otras.” (Castoriadis, 1996)
Mas também, de um outro ponto de vista, o imaginário de Lacan, no sentido da “desrealização”, que é efectuada no eu ao depositar a sua confiança e até identificação no outro[5]. Esta relação com um interlocutor virtual vai trazer alterações consideráveis na sociedade mediatizada e da informação que vivemos.
"The claim is not that television and a computer-supported cyber culture are less authentic than "real" discursive exchange between human beings. It is rather that socially constructed reality is already fictional and that virtuality is an aspect of that fictionality that has come to be more and more supported and maintained by machines, especially television and the computer". (Morse, 1998)
Existe uma diferença fundamental entre a televisão e os novos media tecnológicos perante os, chamemos-lhe assim, media tradicionais. O primeiro é directamente responsável pela manutenção de um discurso de presença - live - que ocasiona um problema grave de emissão/recepção em loop constante, alterando a relação temporal existente relativamente à reificação acelerada da noção de referente. Acrescentamos um outro nível à relação entretanto apresentada. A dualidade desequilibrada entre o "eu" maquínico e proeminente e o "tu" afasta-se, decisivamente, da realidade construída entre dois sujeitos de conversação. Aqui o componente "tu" existe como genérico e impessoal. Pode ser endereçado a qualquer segmento social ou de mercado, não é fundamentalmente a possibilidade individual que se encontra em campo, antes, uma noção de colectivo que encontra alguns paralelos históricos ao longo do nosso século.
Sobre esta noção de emissão, encontra lugar o instalar confuso de uma miscigenação entre acontecimento e notícia. O acontecimento encontra a sua desvalorização significacional no momento em que é, apenas, valorizado como produto "em directo", cedendo logo o lugar a outro e a outro. Apesar da vastidão de campo torna-se necessário um desencadeamento de acontecimentos organizado temporalmente. A acção, no sentido semântico do que se passou no acontecimento, deixa de existir sendo substituída pela acção de carácter cinematográfico, ou seja, o presente absoluto, o desenrolar contínuo do tempo real.[6] Esta necessidade absoluta de presente ou, se quisermos, de "tempo real" é consequência imediata do aprofundamento tecnológico da sociedade mediática. A relação estabelecida com os acontecimentos através da mediação televisiva altera, desta forma, o conceito de verdade atribuída ao longo do século à imagem surgida através do negativo.
A imagem mediatizada transmitida, hoje, pelos media, em tempo real, é apenas constituída por combinações de algoritmos matemáticos totalmente manipuláveis. Será, talvez, a alteração mais radical operada na imagem e sobretudo na sua recepção. O "tu" a que são dirigidas as imagens televisivas reage passivamente: a consciência da possibilidade manipulatória existe em cada um, mas de forma impotente. A acumulação imagética produz significações metafóricas das relações de poder, "o que aparece é bom, o que é bom aparece", (Agamben, 1990) que potenciam uma clara alienação linguística por parte dos receptores.
Toda a estratégia de tempo real produzida pela televisão e incentivada pela possibilidade interactiva - o telecomando afirma-se como uma das principais formas de interacção aproximativa entre o "eu" e o "tu" - configura o papel desenvolvido pela televisão como um estádio, talvez o decisivo, na aproximação e apropriação a uma realidade em que as relações interpessoais e sobretudo com as máquinas se farão de forma intensa. A virtualidade de uma partilha dos acontecimentos em tempo real apresentada pelos media, antecipa a chegada rápida da imersão interactiva que se está agora a desenvolver em termos de sociedade de informação, sobretudo mercantil.[7]
1] Relativamente a esta questão citamos o seguinte: "as a result, we are increasingly immersed inside a world of images - acoustic, iconic, and kinesthetic - capable of interacting with us and even directing our lives in the here-and-now, or rather, since the advent of instant decompression and processing via computer, in virtual space and "real time". Images have been transformed from static representations of the world into spaces in wich events happen that involve and engage people to various degrees in physical space." (Morse, 1998)
[2] "Discourse is every utterance assuming a speaker and a hearer, and in the speaker, the intention of influencing the other in some way. It comprises all the genres in wich someone proclaims himself as the speaker and organizes what he says in the category of person." (Benveniste, 1971)
[3] Por associação directa com o conceito de não lugar teorizado por Smithson e Augé, em que a principal característica identitária é paradoxalmente a sua falta de identidade.
[4] Uma das características fundamentais do capitalismo avançado tem sido o relegar para o total anonimato a massa de receptores que interage apaticamente com o media em causa - a televisão. A activa participação é transfigurada em passividade absoluta, joguetes de um jogo a que não pertencem. Sobre a noção de "ser qualquer" desenvolvida por Giorgio Agamben parece-nos importante revelar os seus principais traços constitutivos, uma vez que uma pura interpretação semântica poderia conduzir a equívocos desnecessários. O ser qualquer é portador de uma potência escondida. Sobre este conceito escreve o tradutor português:"Giorgio Agamben propõe neste texto que se articule o lugar, os modos e o sentido da experiência do presente numa forma de comunidade que subsuma uma ética e uma política à altura do nosso tempo: a comunidade que vem…formada por singularidades quaisquer, o ser que lhe corresponde é o ser qualquer. Em vez de procurarem uma identidade própria na forma da individualidade, os homens devem fazer do modo como são - o ser assim - uma singularidade sem identidade e perfeitamente comum…Como Bartleby de Melville, que não escreve outra coisa que não seja o seu poder de não escrever e, assim tem a experiência da linguagem enquanto tal, o ser qualquer é também aquele que pode a sua própria impotência".
[5] O imaginário em Lacan constitui a primeira fase de desenvolvimento - "o stage mirror"- uma espécie de registo pré-verbal cuja lógica é essencialmente visual e que se afirma como um primeiro momento de alienação. A consciência da existência do eu e do outro, ou se quisermos de ela própria como outro, dá-se numa criança quando reconhece pela primeira vez o seu reflexo num espelho. Que, contudo, é um reconhecimento falhado, já que a coerência com o sujeito falha. Este auto-reconhecimento através de uma imagem externa define-se então como uma forma de auto-alienação. As restantes duas fases do esquema de Lacan são o simbólico e o real.
[6] Trata-se daquilo que Jean Baudirllard designa por "greve dos acontecimentos": "É como se os acontecimentos transmitissem uns aos outros a palavra de ordem de greve. Pouco a pouco, todos desertam o seu tempo, transformando-o numa actualidade vazia, onde só tem lugar o psicodrama visual da informação…O facto de já não ser o acontecimento a produzir a informação, mas sim o contrário, tem consequências incalculáveis." (Baudrillard, 1995)
[7] Debord na análise que produziu em 1967 no seu livro sobre a sociedade do espectáculo tinha toda a razão quando afirmava: "o espectáculo é o capital num tal grau de acumulação que se torna imagem"
*Primeiro de uma série de textos sobre as questões teóricas em torno das práticas artísticas numéricas.
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